segunda-feira, 6 de julho de 2009

Maria

Maria dominava como ninguém a arte de bem gerir o restaurante, sempre teve muito jeito para o negócio, sendo extremamente hábil a negociar com os fornecedores para obter preços especiais e descontos, por vezes era uma autêntica “carraça”, tão chata tão chata que vencia pela exaustão. Ficava muito orgulhosa, pois era tão boa como qualquer homem, ou mesmo melhor.
Porém, Maria tinha o desgosto de não conseguir namorado. Sendo tímida, feia, gorda, com juba de leão e com uma cor de cadáver esgadelhado jamais conseguiria um gajo bonito e decente. Quem é que iria gostar de um trambolho como ela. Ia morrer velha, seca, burra e amarga, sem amor.
Afogava as suas mágoas nos números, nos cozinhados e nas larachas com os clientes do restaurante (os habitués, não os estranhos). Gostava de brincar e dizer piadas, mas demorava um pouco ambientar-se às pessoas novas.
Este mal-estar tinha uma razão de ser…quando Maria andava na segunda classe teve uma paixoneta secreta por um colega de turma, David era seu nome. Maria olhava para ele e babava, achava-o lindo de morrer, cada vez que David passava por perto ou falava, Maria ficava tão vermelha que sentia a sua cara a ferver e não conseguia dizer nada. David era um espectáculo, era loiro, olhos grandes castanhos esverdeados e estava sempre a rir. Maria confessou à sua melhor amiga Anita que gostava de David, por sua vez Anita descuidou-se e disse é bruxa da Dina. Esta miúda era cruel, tinha a mania que era boa, e como é óbvio gostava de David fazendo tudo para cair nas boas graças dele. Maria era gordinha e para o lanche levava sempre alguns doces, partilhando com as amigas, inclusive com David. Dina não gostava daquela intimidade e depois de saber que Maria tinha um fraquinho pelo seu querido pensou que aquilo era demais, e decidiu tomar medidas drásticas. Certo dia, Dina combinou com uns rapazes para colocarem uma lagartixa pequena de plástico na lancheira de Maria. Quando esta foi abrir a lancheira, o boneco de plástico saltou, para a cara, sujando-a de creme, ao mesmo tempo a sua lancheira caiu. Maria com medo da lagartixa que lhe saltou para cima gritou o mais alto que pôde e ainda por cima ficou suja de creme da bola de Berlim, porque o boneco estava todo coberto pelo creme e para além disso, Anita entornou sem querer o iogurte líquido que estava a beber em cima de Maria, que por sua vez correu para longe aos gritos a esbracejar, toda suja de creme e iogurte. Esta cena hilariante fez com que toda a malta risse descaradamente, inclusive David. Maria ficou tão envergonhada. Mas ainda não satisfeita, Dina humilhou-a, dizendo a todos que Maria, a miúda Gorda e feia como um bode estava interessada em David. Dando origem a outra risada geral. Maria só lhe apetecia desaparecer e fugiu para a casa de banho lavada em lágrimas.
Aquelas palavras maldosas sempre ficaram no inconsciente de Maria. Havia dias em que se mirava ao espelho e pensava que não estava assim tão mal, no entanto havia dias em que se achava horrorosa, até tapava o espelho para não ter que ver a sua própria imagem.
O pai tinha muito orgulho na sua filha, ela tinha amigos e amigas, saía, mas tinha sempre a sensação que ninguém iria amá-la. Havia mulheres tão lindas e ela era tão malfeita. Para Maria, Deus tinha-se esquecido dela.
Dizia para si própria: - com tanto gajo no mundo e ninguém olha para mim…porquê, mas Porquê???
Maria estava determinada a mudar de atitude, pois as suas amigas diziam que ela era maluca, paranóica até. Diziam que Maria era bonita, o problema estava relacionado com o facto de ela fugir dos homens a sete pés quando se apercebia que podia haver algum interesse. Diziam que Maria era a culpada de não ter ninguém porque afastava os homens. Maria negava...claro que não…não era verdade…ou era!?
Pensou em fazer uma auto-análise sobre a sua vida. Era bem-sucedida profissionalmente, estava bem com sua família, tinha bons amigos, bem financeiramente, tinha uma saúde de ferro, só faltava um namorado, mas o pior é que nunca tinha tido um namorado. Isto era estranho. Pensou…pensou…pensou e verificou que tinha medo. Mas medo de quê? Fogo, não acredito eu sou uma medricas de merda. Não pode ser!
Mas qual será a pior coisa que me pode acontecer se eu me apaixonar?
1- Gostar de alguém que não se interessa por mim. É mau, mas passa.
2- Gostar de um gajo passado dos carretos. Bem, assim que me apercebesse ponha-o a milhas e ficaria desgostosa.
3- E se fosse correspondida. Aí, era bom e mau, bom porque me iria sentir bem, mau porque não sabia o que fazer.
A verdade é que tinha medo. Era mais fácil negociar com os fornecedores e gerir o restaurante do que mandar nos seus sentimentos. O que a assustava de veras era o facto de se poder descontrolar, de gostar demasiado e ser magoada. Todavia, uma coisa era verdade se ficasse encostada a um canto encolhida com medo e não fosse à luta, então a vida passa por ela, não era magoada, mas também não conhecia nada, nem o bom, nem o mau e muito menos o Amor de alguém. Seria sempre uma mulher incompleta e frustrada.
Seu pai sempre lhe ensinou a ir à luta e orgulhava-se dela por ser corajosa. Contudo, a nível sentimental considerava-se tão inexperiente que parecia um bebé.
Maria decidiu mudar. Com a ajuda de suas amigas comprou roupa nova, mais moderna, mas foi uma luta renhida, porque Maria era tão agarrada ao dinheiro que considerava tudo caro. Foi obrigada pelas amigas a ir à natação para ficar mais “enxuta”. No dia dos seus anos a irmã e o pai ofereceram-lhe uma viagem de avião para Paris, seriam duas semanas de férias em França na casa dos tios, aproveitando para espairecer e conhecer a cidade. Maria ficou radiante.
Em Paris, Maria estava maravilhada, pois encontrava-se numa das cidades mais românticas do mundo. Os primos foram com ela à Torre Eiffel, ao Museu da Cera, à Notre-Dame. Depois outros amigos dos primos juntaram-se ao passeio. Jacques, um amigo do primo era muito simpático e engraçado. Foram visitar o Louvre, o Arco do Triunfo, os campos Elísios, entre outros locais. As duas semanas estavam quase no fim e Jacques levou-a a passear de Barco no rio Sena, foram ao cartier Latim comer num restaurante grego e beberam bem, depois foram ao edifício de escritórios de Jacques ver a vista panorâmica sobre Paris. Maria estava um pouco quentinha e zonza com a bebida e Jacques também, os dois começaram a rir de um disparate que disseram e quando deram por eles estavam sentados no chão lado a lado.
Maria olhou para Jacques e pensou como ele é bonito, caraças. E deu um pequeno suspiro.
Jacques como que adivinhando o pensamento de Maria, aproximou-se e acariciou os seus cabelos ruivos, depois acariciou a sua face e deu-lhe um beijo muito suave nos lábios. Maria estremeceu. Em seguida abraçou-a e começaram a beijar-se com mais avidez. Maria estava tão nervosa…estava finalmente a acontecer. Mas de repente ela pensou que não estava certo, o medo apoderou-se de seu corpo e decidiu parar com aquela cena de beijos que só podiam levar a disparate. E disse: - Pára Jacques, já chega.
Jacques olhou surpreso e perguntou: - Fiz algo errado?! Estou a ir muito depressa ou percebi mal? Eu pensei que estavas tão interessada em mim como eu estou em ti! Possivelmente enganei-me, peço desculpa.
Maria: - Não, não fizeste nada de mal. Sou eu, o problema é meu. Não quero ser magoada sabes?
Jacques: - Não te quero magoar, bolas! Gosto de ti.
Jacques afastou-se um pouco, baixou a cabeça e colocou as mãos nos bolsos, fez uns desenhos no chão com o pé direito como se tivesse distraído e em seguida tirou as mãos dos bolsos e aproximou-se agarrando os ombros de Maria de uma forma brusca. Olhou-a nos olhos e perguntou.
Jacques: Maria, responde-me honestamente por favor, sentes alguma coisa por mim ou não?
Sem saber se deveria falar verdade ou não, Maria engoliu em seco e envergonhada, disse que sim com a cabeça.
Jacques esboçou um largo sorriso e abraçou-a. Jacques disse: Tudo bem, vamos com calma. Pode ser assim?
Maria concordou.
Jacques pediu-lhe: Maria fica mais duas semanas, por favor.
Maria negou com a cabeça: Não posso, há muito trabalho no restaurante, é necessário que eu lá esteja.
Jacques: Sim, eu sei, mas o trabalho não foge. E se tu estivesses doente o restaurante não funcionava?
Maria: Claro que sim, mas, exige responsabilidade.
Jacques insistiu: Maria, por favor, fica. Precisamos de nos conhecer melhor e se tu fores o que poderia existir, a hipótese de ter algo bom contigo nunca se realizará. Estamos em países diferentes. Fica são só duas semanas.
Maria: Eu vou ver o que posso fazer!
E ficaram abraçados a admirar a vista panorâmica de Paris à noite.
Maria falou com o pai e com os tios e decidiu ficar mais duas semanas.
Deu a notícia a Jacques e este ficou muito satisfeito, comentado que Maria tinha tomado a decisão certa.
Passearam os dois juntos de mão dada pelos campos Elísios, trocando carinhos, brincadeiras e risos. Durante alguns dias deambularam pela cidade como namorados. Até que no fim da primeira semana Jacques convidou-a para um jantar
romântico em sua casa. Após o jantar foram para a sala ouvir música e dançar, enquanto isso começaram a beijar-se devagar, depois mais intensamente, até que pararam de dançar e deitaram-se no sofá. Maria deu um beijo no nariz de Jacques, depois no olho direito e no esquerdo, percorreu a cara com pequenos beijinhos desde a testa até ao queixo e depois beijou-o na boca para em seguida continuar com pequenos beijos até à testa, voltando novamente à boca, contando os beijos que dava (contou até 10). Em seguida brincou com as orelhas, com pequenas lambidelas e Jacques ria, pois fazia uma certa impressão. Depois fizeram amor. Durante a última semana namoraram e amaram-se, até que Maria teve que regressar a casa.
Mantiveram o contacto por carta e telefone. Certo dia, Jacques teve uma oferta de trabalho para o Japão, e a partir daí os contactos passaram a ser mais escassos. Maria considerou que um namoro à distância não ia dar em certo e resolveu manter a amizade, mas seguir a sua vida sem Jacques. Porém, uma outra Maria nasceu.

(Carmo Costa)

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