segunda-feira, 6 de julho de 2009

Relatório da estadia do escritor Scott Johnsonn no Hospital de São José em Lisboa, Portugal, pela enfermeira espanhola Aida Ternero


Venho ao Tejo Bar à procura do Mané porque o Johnsonn me mandou. Procure o Mané, disse-me, procure mas não grite, bata os dedos devagarinho contra as unhas dos outros dedos e antes que a noite acabe não se esqueça – mas não se esqueça mesmo - de acariciar um pensamento de ternura para o sorriso do Ricardo, que você não o conheceu mas a gente toda lá do bar já andou às gargalhadas com ele em muitos becos de inúmeras estreladas. O Scott não estava borracho, não. Estava mas era confuso, muito, quando acordou. A minha colega não lhe quis dar uma almofada porque - disse – depois os doentes levam para casa e os outros recém-chegados ficam sem uma esponja qualquer para apoiar a cabeça. Na verdade a colega costuma levar as almofadas para casa e vendê-las a seguir à loja Americana na Praça do Chile, mas em segunda-mão. Nos hospitais portugueses é assim, não é por eu ser espanhola, mas o Scott passou-se no segundo dia quando viu que a sopa Juliana da noite era a mesma do almoço com acrescento de farinha e água morna, pelo que decidiu basar a.s.a.p. logo que a porteira ficasse distraída com a novela.
Para apanhar o início da novela, pediu-me que lhe ligasse a TVI, o coitado, mas não sabia que iria dar logo com o jornal da noite e com a cara desse Berlusconi que pelos vistos anda a oferecer gajas aos chefes de estado por aí. Conclusão: mandou-me chamar aflito porque - disse – tinha ouvido que lá na Itália fizeram uma lei em que os honestos cidadãos fartos de baterem nas mulheres podem formar patrulhas e ir à rua proteger as meninas dos ataques estuprídicos dos imigrantes, os quais segundo as crónicas de lá seriam protagonistas de toda e qualquer porcaria que os jornais relatam.
Ao ler aquilo das patrulhas, o Scott achou que nunca é tarde demais para combater o fascismo ante e post -litteram, que ele era escritor e tinha que se pôr a andar, eventualmente a caminho de Nápoles onde haveria com certeza um ninho de revolucionários preparados para combater essa ideia louca da patrulha e dos imigrantes, e começou-me a falar no Caos que - dizia ele - é um orgasmo ficcional criativo, assim dizia, e eu a tentar convencê-lo que esperasse pelo menos até receber o resultado dos exames, pois bem podia ter alguma coisa grave e sem medicamento não há remédio. O único remédio para quaisquer doenças, disse-me, é fugir dos hospitais portugueses, isto aqui é pior que terceiro mundo, tirando você, mocinha, o resto é patrulha.
Assim foi, chiquito, deixou-me de prenda um cd fabuloso chamado Pynandí, Los Descalzos, só porque lhe tinha contado que gostaria, mais cedo ou mais tarde, de largar o soro e enveredar pelo caminho da música, desde que o meu avô me trouxe um verde acordeão de regresso da Rússia, onde foi visitar uma antiga amante comunista, desde esse dia longínquo, o único sonho da minha vida seria tocar acordeão nos becos de Grenada, se o meu braço não estivesse partido por causa de um hospital português mal organizado.
Mas essa é outra história, não tem a ver com o Scott, só vim mesmo para vos trazer os cumprimentos deles, e beijinhos em voz baixa tal como ele pediu, mas já agora devo dizer que não me importava nada de tocar o meu acordeão sentada nesse escorrega aqui em frente, neste lindo parque, criança, este parque é teu…

(Paola D’Agostino)

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