segunda-feira, 6 de julho de 2009

Solo em chalumeau

(Guião cinematográfico)


SEQUÊNCIA 1

/01 sozinho no deck
johannes

Johannes sentado com o clarinete nas mãos. Olhar perdido nos últimos raios do horizonte. Dedos accionam as chaves como que a executar uma música sem som.

Johannes
- Um, dois, três. Um, dois, três…




/02 conversa
johannes e aventureiro

Aventureiro senta-se ao lado de Johannes.
aventureiro
- Ai, mau!
johannes
- Ai, bom!
Cara de espanto do Aventureiro.
aventureiro
- Olha! Vejo que estás a aprender.
Uma alegria forçada de Johannes.
johannes
- Sempre bom. É como você diz. Tristezas não pagam dívidas.
Ficam um tempo calados.
aventureiro
- Afinal, o que aconteceu lá em cima? Se quiser, pode-se abrir com o amigo. Já tenho saudades das guloseimas que você nos trazia. Acabou-se a boa vida! Mas porquê?! Os nababos cansaram-se da sua música?
johannes
- Foi ela, meu amigo. Era ela o tempo todo. A maldita que armou tudo.
aventureiro
- Eu já desconfiava. Se fosse para a animação os bêbados noctívagos chamariam também os outros músicos cá de baixo. Pelo menos o da sanfona e o da rabeca.
johannes
- Pois, lá improvisávamos uns rítmos até eles caírem pro lado, mas na verdade ela só queria a mim, ou melhor, o meu clarinete. Esperava pacientemente, dava uma gorjeta para o empregado que me levava e me trazia… e me levava para o camarote dela.
aventureiro
- Uau! E é bonita ela?! Vocês… Ah, desculpa. Você está enamorado? Não precisa responder. Vê-se pela sua cara. Está completamente apanhado! Mas qual o problema…
johannes
- O problema é o marido.
aventureiro
- Como assim?! Apanhou-vos…
johannes
- Antes fosse! Ele está em Buenos Aires. É diplomata lá. Ela está viajando sozinha.
aventureiro
- Percebi. Uma aventura! Mas o que tem o marido?
johannes
- É que ela gosta do desgraçado. E eu que já estava propenso a mudar o rumo da viagem só para estar ao seu lado. Dar para ela tudo que ele não pode… não pode ou não quer dar.
aventureiro
- Se é o que eu penso… o sujeito…
johannes
- Um pederastra de marca maior. Para que que se casa um desgraçado desses!?
aventureiro
- Diplomata tem que se casar senão, vai descarregar as presões em cima de quem? Eu conheço alguns… Ela também não deve ser boa bisca. Desculpa. Mas eu penso… Quer saber duma coisa. Joga isso para trás. E vamos aproveitar essa última semana que temos juntos…
johannes
- Você não vai mesmo para o Brasil?
aventureiro
- Até que eu gostava de descer consigo. Mas andei fazendo umas besteirinhas por lá e se me apanham… Mas vamos aproveitar esta semanita para aprender o português. E assim você esquece a danada.
johannes
- Vai ser difícil!
aventureiro
- Então insiste, homem de Deus! Vai atrás. Você não é como eu, pode ir para qualquer lugar.
johannes
- Não há hipótese!
aventureiro
- Mas o que o leva a crer que ela gosta dele? Ou ela teve o displante de dizer isso! Que…
johannes
- Não. Foi assim…

/03 um pedido (flash back)
mulher e johannes
No camarote, a mulher abre uma caixinha de jóias e retira um rolo de papel. Ela desata o nó e carinhosamente desenrola o papel que entrega a Johannes.

voz de johannes em off
- É como você diz, tudo tem seu preço. Ninguém dá nada de graça.
Mulher
- Quando ele estava fazendo-me a corte procurou saber dos meus gostos e quando descobriu que eu gostava da música do clarinete, compôs ele próprio este solo dedicado à minha pessoa. Esse foi o seu pedido de casamento junto com o anel. E eu nunca tive a oportunidade de ouvir.
Johannes olha a pauta onde está escrito: Solo de clarinete com registo chalumeau.
voz de johannes em off
- Foi a primeira e se calhar a única prova de carinho que o miserável deu a ela. E ela…
Johannes enrola o papel e entrega à mulher.
johannes
- Não vou tocar.
Johannes vira as costas e sai enquanto fala.
johannes
- Peça a outro. Procure a orquestra do navio.

/04 assunto encerrado
johannes e aventureiro
O mesmo da cena 02.
aventureiro
- Foi castigo! Por você não ter levado a turma toda para o bem bom!
johannes
- Faltava uma brincadeira sua! Poxa, numa hora dessas…
aventureiro
- E quer altura melhor para uma brincadeira!?
johannes
- Tem razão. Não vale a pena ficar me lastimando pelos cantos. Vamos começar as aulas, então?
Levantam-se e abandonam o deck.
Céu estrelado.


aventureiro
- Vamos fazer assim. Eu lhe ensino o português e você me ensina o clarinete. Pelo que eu toco de flauta você acha que em uma semana eu já consigo tocar esse tal de chalumeau?
Fim


(Mané do Café)


Como terá sido


Há que se explicar como foi que a pauta com a música que o cônsul presenteou a esposa foi parar às mãos do velho Johanes e por conseguinte, meio às coisas que o escritor abandonou sobre as mesas do bar.

Se a imaginação não me falha, vou contar como foi:
Não sei se propositadamente ou se por um acaso, o aventureiro brasileiro passou a trabalhar como jardineiro do consulado Alemão em Buenos Aires. Nas horas vagas exercitava as lições passadas pelo companheiro de viagem, num clarinete de aquisição suspeita numa noite do Camiñito. É fácil imaginar-se que a patroa deva ter ouvido o seu instrumento favorito e, a mesma história, conversa vai, conversa vem… lá pediu que ele executasse o tão querido solo. Não se sabe porque cargas d’água o quase banido aventureiro resolveu voltar à terra e, não deu outra, foi apanhado pela Lei. Por coincidência estava na mesma cela em que o Johanes fora posto para se livrar dos que queriam deportá-lo para a Alemanha. E fica aqui uma grande dúvida que nem sei se é interessante. Comeu ou não comeu? Ele disse ao amigo que não.
(Como falhou um pouco, outros que queiram podem completar)


(Mané do Café)

1 comentário:

  1. Olá Mané, bom início de tarde!
    Vim espreitar, agradecer o Convite e a Noite de ontem, com essa minha pequeníssima mas sentida, mensagem a Timor,dita por si. AMEI!!!
    Sou apaixonada por essa Terra que não conheço, a não ser dos livros e através do Amor Imenso duma GRANDE AMIGA, a quem chamo Guerreira Timorense.
    E gostei muito de aqui vir, como tenho a certeza, gostarei um dia de aceder ao Convite e poder sentir esse ambiente.
    Quem sabe será em breve?!...

    Entretanto, devo acrescentar que esta "Estória"
    e este Scott Johnsonn, de tão etéreos, estão em toda a parte, onde haja beleza, em prosa e em verso, na pintura, na dança, na aventura de viver...
    Um abraço de todas as cores e a promessa de que
    voltarei.
    Maria Mamede

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