segunda-feira, 6 de julho de 2009

A viagem de barco para o Brasil

Johannes olhava o porto de Hamburgo que desaparecia lentamente no horizonte. Não era o único. Felizmente para ele, chuviscava. Isso, permitia-lhe esconder as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto, mais pelo destino que calhou que pelo abandono da terra. Deve ser a última vez que vejo a Alemanha. L.
Agora que as coisas estão a melhorar economicamente, é que tinha de sair da Alemanha. Quem sabe se dentro de mais algum tempo eu já não estivesse preparado para a América?! E tudo por causa da política?!!... Se existia coisa sem interesse para Johannes, era a política. Nunca, mas mesmo nunca se tinha interessado por política. Nem mesmo quando a economia estava mesmo mal na grande depressão – com uns biscates e a tocar clarinete, sempre tinha arranjado um tecto para dormir e o que comer.
O problema do Johannes é que a política tinha interesse nele para mal dos seus pecados. A polícia política nazi tinha umas fotografias dele a tocar com notórios opositores do regime – a maioria desses notórios opositores já tinha “zarpado” para “mares” mais calmos. Naqueles tempos, o “mar” alemão estava cheio de “tubarões” e era fácil cair nele.
Nos interrogatórios “regados” a sopapos e chapadas, Johannes tentava explicar que não se interessava por política. “Eu só gosto de tocar clarinete”, repetia ele constantemente. Porém, era como falar para uma parede.
Podia ter jogado a “cartada” de aderir ao partido nazi. Conhecia muita gente que estava a dar-se muito bem. O maior problema é que Alemanha estava a tornar-se muito cinzenta. As pessoas com quem costumava divertir-se dividiam-se em dois grupos: tinham emigrado ou mudado para pior com o nazismo – o segundo grupo não era nada divertido para Johannes.

Johannes preferiu emigrar. Estava a bordo de um navio de passageiros chamado “…” Ia para o Brasil, onde tinha um tio, em busca de dias mais alegres.
Como não tinha grandes economias, ia em 3ª classe, o que não era nada confortável. Os passageiros de 3ª classe dormiam em dois compartimentos com muita gente – um para os homens e outro para as mulheres e crianças até 12 anos. Pelo menos não se sentiam sozinhos. Muda de cama uma vez por semana e três refeições por dia (pequeno-almoço, almoço e jantar). Quem se atrasava a colocar-se na fila, perdia uma refeição. Uma mistela de intragável, pensava Johannes. Todavia, a viagem demorava três semanas. O seu estômago falava alto e Johannes escutava-o.
3ª classe. A Alemanha atravessava uma época de grande prosperidade e só emigravam os opositores e quem era perseguido pelo regime. Muitos dos seus companheiros de viagem eram judeus que tinham perdido tudo. Bem, isso não é exacto, visto que ainda tinham as suas vidas – muitos outros já não podia dizer o mesmo. Passeio… só na 1ª.

O único que estava alegre era um aventureiro brasileiro que procurava animar o resto dos passageiros. Num alemão muito esquisito repetiu constantemente que tristezas não pagam dívidas. Johannes acabou por concordar com ele e puxou do seu clarinete.
Como ninguém protestou, Johannes continuou a tocar. Passado alguns minutos, ouviu o som de acordeão a acompanhá-lo do outro lado do compartimento. Depois, uma guitarra. A seguir uma harmónica. Finalmente, um violino.
O ambiente melhorou com alguns sorrisos a aparecerem no rosto de vários passageiros. Johannes não era excepção.

Os dias passaram e numa noite de insónia, Johannes foi tocar sozinho para o convés que os passageiros de 3ª classe tinham acesso - a parte de trás do navio fora das vistas dos passageiros de 1ª e 2ª classe. Tocou e tocou, pensando que tinha apenas a lua cheia por companhia.
Acabou por não ser o caso. Um tripulante abriu uma porta e foi falar com ele. Devo ter feito m… Mas não. Uns passageiros de 1ª classe estavam o ouvi-lo e queriam que tocasse para eles até ao sol nascer – a orquestra do barco acabava de tocar às duas da manhã desse por onde desse.
Johannes não se fez rogado.
Os passageiros de 1ª classe era um conjunto de foliões na sua maioria jovens que queria escutar jazz e tudo o resto proibido na Alemanha nazi. Para Johannes, era, mais ou menos, como juntar comida à vontade de comer – era difícil combinar melhor.
Johannes até tocaria de graça para o grupo dos foliões. Todavia, insistiam que partilha-se a comida que eles tinham à sua disposição. Johannes esforçava-se por comer calmamente quando o que lhe apetecia era comer à bruta.
Finalmente, o sol nasceu e Johannes voltou à 3ª classe. Um dos foliões deu-lhe alguns marcos em moeda. Fazem sempre jeito.

Johannes voltou ao convés de 3ª classe na noite seguinte. Um pouco após as duas da manhã, apareceu o mesmo tripulante, Voltou a tocar para os foliões da 1ª classe.
A cena repetiu-se nos dias seguintes sem grandes variações. O tempo estava óptimo depois da passagem do canal da Mancha – as noites estavam cada vez mais cheias de estrelas à medida que se aproximavam dos trópicos.
Ocupavam o ponto mais alto do convés longe das cabines onde os passageiros de 1ª e 2ª classe dormiam. Acabaram por fazer um baile improvisado com alguns a marcarem o rítmo. Johannes era o único que não dançava – era o único músico que não se revesava pois fazia a melodia.
Quando o sol se aproximava, o grupo tinha, por vezes, grandes discussões políticas amigáveis. Os membros do grupo discordavam de muita coisa, mas concordavam que “Hitler é um filho da p…”. O único que não o dizia (dizia outras coisas deles) era Johannes – a mãe do Hitler até pode ser uma excelente pessoa, pensava ele. Se calhar não tem culpa do filho que tem.

Os dias seguintes tornaram-se mais interessantes para Johannes, mas algo desconfortáveis. Tocar para o grupo de foliões era óptimo. Estava “preso” no “…” até a viagem terminar: gostava de tocar clarinete; a comida de 1ª classe é outra coisa e ainda caem uns trocos nos meus bolsos.
Um membro do grupo manifestava um interesse particular por Johannes: uma jovem alemã chamada Ângela. Os sinais eram claros apesar de ela aparentar não lhe ligar nenhuma. Tinha um aspecto altivo e algo distante. Porém, tocava e roçava no Johannes com uma frequência assaz convidativa.
Para Johannes, a Ângela parecia uma Válquiria saída de uma ópera de Wagner: bela, loura de cabelos compridos, mais alta do que ele um palmo, musculada quanto baste e uma mamas de chorar por mais. Na perspectiva dele, o problema é ser um passageiro de 3ª classe; se me aproveito, ainda apanho uma carga de pancada. Assim, procurava manter-se calmo e fingir que não era nada com ele.
Porém, a Ângela queria ter algo com ele. Numa noite, sentou-se ao pé de Johannes e começou a falar da sua vida. A dado ponto, falou que era casada com um diplomata alemão que estava na Argentina – o “…” parava no Rio de Janeiro e seguia, depois, para Bueno Aires. Johannes começou a ter suores frios. Um diplomata alemão?!.. E começou a ver a sua integridade física muito ameaçada. Mesmo no Brasil, pode contratar alguém para me tratar da saúde. Talvez definitivamente.
A Ângela continuou a falar, dizendo que o seu casamento era uma só de fachada. Tem pai que é cego. O seu marido necessitava de uma esposa para progredir na carreira de diplomata. Pelo que Johannes percebia, o marido de Ângela tinha uns gostos pouco recomendáveis na Alemanha nazi. Arriscasse a passar uma boa temporada preso. Johannes conhecia uns na Alemanha que tinham sido presos e espancados até mais não.
Johannes pensou por uns breves segundos. Colocou a sua mão direita discretamente nas costas de Ângela, o que significa a tomada de uma decisão. Ela não não se afastou. Johannes acariciou-lhe as costas e, progressivamente, foi descendo. Por fim, apalpou-lhe o rabo bem apalpado. Ela ficou surpreendida, mas sorriu para Johannes. Não há dúvida que o fomento do desporto por parte dos nazis tem os seus aspectos positivos.
A coisa continuou mas Johannes chegou à conclusão que é preciso ter calma e não ser demasiado notado. Johannes segredou algo no ouvido de Ângela. Ela foi falar com o tripulante que devolvia Johannes à 3ª classe e passou-lhe uns quantos marcos para a mão. Ângela passou a estar a uma distância pouco suspeita de Johann.

Johann estava sentado na cama do quarto de Ângela. A 1ª classe é outra coisa. Ângela olhava para ele de pé sem fazer nada. Johannes já tinha compreendido que tinha de liderar o processo, senão nada vai acontecer.
Levantou-se e pegou-lhe na mão. Conduzia-a até à cama e deitou-a. Quero vê-la toda nua. Começou a despi-la lentamente e dizer-lhe ao ouvido o que ia fazer com ela. Notou que os seios tinham ficado imediatamente rígidos como rochas. Um sinal muito bom.
Acabou de despi-la. Fez uma passagem com uma mão pelas costas de Ângela e ela arrepiou-se. Continuou beijando o corpo dela um pouco por todo o lado. Por fim, virou-a e puxou-a para si… Já nem se importava se o navio afundasse.

No dia seguinte, voltou ao quarto de Ângela. Voltou a despi-la lentamente, mas desta vez deixou-lhe os sapatos de salto alto. Quero vê-la bem. Abriu a janela do quarto para deixar entrar a luz da lua cheia. É mais do que suficiente para a ver bem. Disse-lhe para se levantar da cama e desfilar para ele a ver bem.
Ângela lembrava-lhe uma daquelas estátuas gregas da deusa Afrodite que tinha visto num museu em Berlim. A grande diferença é esta ser algo musculada.
Disse-lhe para voltar para a cama. Ângela deitou-se e Johannes procedeu de forma suave mas autoritária. Nunca estive com uma mulher tão alta e tão submissa. À primeira vista, quem diria que esta Valquiria é o que é.

Na noite seguinte, Johannes chegou à conclusão que não só era submissa como tinha algumas fantasias algo suspeitas. Eu só penso em dormir com gémeas ao mesmo tempo. Ângela falou-lhe que tinha a fantasia de ser raptada e ser forçada a ter relações contra a sua vontade. Esta não era a sua “onda”, mas fez-lhe a vontade.
Vestiu-se e disse-lhe para fazer o mesmo. Depois, pegou nela ao ombro como se fosse um saco de batatas. Deitou-a algo violentamente na cama. Disse-lhe para se agarrar a uma das pontas da cama e imaginar que estava presa por algemas a ela.
A seguir Johannes começou a “forçá-la” e ela a fazer a resistência da praxe que se impunha. Se isto fosse a sério, levava uma carga de pancada dela.
A dado ponto, Ângela gritou de prazer e um tripulante tocou à porta do quarto para saber o que se passava.

Johannes estava novamente no quarto de Ângela. Ela tinha gostado muito da noite anterior, mas Johannes não. Mesmo a brincar, não gostava de violências. Desta forma, procurava na sua cabeça uma alternativa que fosse do agrado dos dois.
Não lhe ocorria nada. Enquanto Ângela estava na casa de banho (um quarto com uma casa de banho própria?!...), começou a tocar uma música de jazz baixo no seu clarinete. A música ajudava-o a pensar.
Ângela entrou no quarto e começou a fazer um strip-tease. Pensava que era essa a intenção de Johannes – ela gostava de música de negros. A Johannes não lhe tinha passado a ideia pela cabeça, mas chegou à conclusão que devia ter pensado.

Os dias passaram e o ambiente no quarto era triste. No nascer do sol, os passageiros para o Rio de Janeiro tinham de deixar o navio.
Ângela queria que Johannes a acompanhasse até Buenos Aires. Johannes não concordou. Disse-lhe que eram dois navios na noite que se encontravam até ao nascer do sol. “De certa forma, o sol nasceu definitivamente para nós”.
Ela chorou – disse-lhe que o amava perdidamente. Johannes procurou consolá-la, dizendo que melhores dias viriam. Como é o que o brasileiro disse? “Tristezas não pagam dívidas”
Disse-lhe que também teria saudades dela. Sobretudo do teu corpo. É realmente muito mal empregue naquele marido. Johannes teve o cuidado de não dizer o que pensava. Tudo o que falou era o adequado para aquela ocasião.
Pena que o que para ela eram apenas jogos e brincadeiras, para ele… coitado.

O tripulante que costumava levá-lo para a 3ª classe tocou à porta.

Johannes colocou o pé pela primeira vez em terra brasileira. Levantou os olhos e lá estava o Cristo Redentor, lá no alto como lhe tinham dito. Terra nova, vida nova.

(Ivo Dias de Sousa)

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